Tema frequente dos meios de comunicação, o Egito é um país
geralmente associado a descobertas arqueológicas da era anterior a
Cristo. No imaginário do mundo atual, é o país das pirâmides, das múmias, da sedutora rainha
Cleópatra e do caudaloso
rio Nilo.
De
fato, a civilização que se desenvolveu no Egito, numa antiguidade muito
remota, é surpreendente no que se refere principalmente a seus aspectos
culturais, incluindo-se aí a escrita (os chamados hieróglifos), a
pintura, a escultura, a arquitetura e a mitologia.
Porém, para se
compreender o desenvolvimento cultural do antigo Egito, é preciso
conhecer também as condições sociais e econômicas em que ele ocorreu. Do
mesmo modo, é necessário considerar também uma questão geográfica,
pois, como disse
Heródoto, "o Egito é uma dádiva do Nilo".
Às margens do rio Nilo
Hoje,
no início do século 21, o Egito conta com mais de 70 milhões de
habitantes, sendo o mais populoso dos países de cultura árabe. E,
exatamente como na Antiguidade, a maioria de sua população está
concentrada em apenas 4% do território, às margens do rio Nilo.
Por
se localizar numa região desértica - o nordeste da África -, o Egito
sempre teve a sua vida ligada às águas desse rio e aos seus períodos de
cheia, durante os quais o solo das margens é fertilizado, tornando
possível o desenvolvimento de uma agricultura capaz de sustentar enormes
contingentes populacionais. Por esse motivo, na Antiguidade o Egito era
conhecido como o "Celeiro do Oriente".
Nos últimos séculos do 5º
milênio a. C., com o processo de desertificação do norte da África e a
formação do deserto do Saara, as populações nômades e seminômades da
região foram atraídas para as margens do rio Nilo. A ocupação da bacia
do Nilo ocorreu a partir da migração sucessiva de tribos vindas das
regiões da Líbia (a oeste), da Etiópia (a leste) e da Palestina (no
Oriente Médio), que acabaram formando a população egípcia.
Unificação dos reinos do Egito
Essas populações fixaram-se em aldeias agrícolas, que aos poucos formaram pequenas cidades-Estado, chamadas
nomos, administradas pelos
nomarcas, a primeira elite egípcia.
Como
a agricultura era difícil - tanto por causa do deserto, quanto por
causa da sazonalidade do rio Nilo -, esses nomos acabaram se unindo com o
passar do tempo (não se conhece a data precisa), dando origem a dois
reinos: o do Norte (Baixo Egito) e o do Sul (Alto Egito).
De acordo
com a tradição, o rei Menés teria unificado ambos os reinos por volta do
ano 3.000 a.C., tornando-se o primeiro faraó (título do rei egípcio),
ou como se dizia na época "o senhor das duas terras", inaugurando assim a
primeira dinastia do Egito.
A unificação garantiu a
centralização política e administrativa dos vários nomos egípcios, o que
facilitou a organização eficaz do trabalho da sociedade nas obras
públicas, para manter o controle das águas e a construção de sistemas de
irrigação do solo, garantindo a ampliação da agricultura e da pecuária,
levando ao crescimento das cidades.
A partir de então, os nomos
passaram a ser unidades administrativas dentro do Egito, englobando
várias cidades, e os nomarcas passaram a se subordinar diretamente ao
faraó.
A civilização egípcia desenvolveu-se às margens do rio
Nilo, ocupando uma faixa de terra cuja largura media entre 10 e 20
quilômetros e que se estendia por cerca de mil quilômetros. Era
extremamente dependente do rio, tanto para a manutenção das atividades
agrícolas e a pecuária, como para o transporte de mercadorias e
comunicação entre as diversas cidades. Tão apropriada era a navegação
entre as várias regiões banhadas pelo Nilo, que os egípcios não
precisaram construir estradas.
Diques e reservatórios no rio Nilo
O
controle das cheias do rio foi condição essencial para o
desenvolvimento da civilização na região, pois o seu leito não era
suficiente para conter as águas que corriam do interior da África em
direção ao mar Mediterrâneo, inundando a região entre julho e setembro.
Assim, às margens do Nilo foram construídos diques e reservatórios, a
fim de reter as águas que seriam utilizadas - por meio de canais de
irrigação - no tempo de escassez das chuvas para a agricultura, a
pecuária e o consumo humano.
Com o retorno das águas ao leito do
rio (entre dezembro e maio), ficava armazenado nas margens um precioso
fertilizante, o húmus, que permitiu o surgimento de uma agricultura de
alta produtividade. O húmus, um fertilizante natural de cor escura, era
tão essencial aos egípcios, que esse povo chamava sua região de Kemet,
"terra negra", em oposição às terras vizinhas, chamadas de Deshret,
"terra vermelha", ou seja, o deserto.
Segundo os historiadores
G. Moktar e J. Vercoutter, a "experiência logo ensinou os egípcios a
desconfiar da inconstância do rio. Para compensar a escassez periódica,
era necessário estocar cereais para alimentar a população e - mais
importante ainda - garantir quantidade suficiente de sementes para a
semeadura seguinte, quaisquer que fossem as circunstâncias.
"Esses
estoques de reserva eram fornecidos pelo governo central, graças ao
duplo celeiro real, que estocava cereais em armazéns distribuídos por
todo o país. Limitando o consumo em períodos de abundância e estocando o
máximo possível para se precaver contra cheias insuficientes ou
excessivas, o governo central passou a controlar, por assim dizer, a
ordem natural e veio a desempenhar um papel muito importante."
Excedente econômico
A
alta produtividade agrícola e o controle populacional permitiram que
houvesse disponibilidade de recursos e de mão de obra, o que viabilizou a
construção das pirâmides e dos palácios, o desenvolvimento do
artesanato, da ourivesaria e as guerras de expansão.
Ao contrário do
que comumente se pensa, a mão de obra utilizada em tais obras
gigantescas era de camponeses livres, não de escravos. Apesar de a
escravidão existir no Egito, era em pequena escala. O Estado egípcio
submetia a população a uma forma de exploração chamada de "corveia real"
ou "servidão real", ou seja, apesar de os trabalhadores serem homens
livres, deviam, de tempos em tempos, prestar trabalho gratuito nas obras
estatais, como forma de tributo.
A produção agrícola era
diversificada: trigo, cevada, ervilha, cebola, linho, tâmaras, diversas
árvores frutíferas, além da pecuária (bois, ovelhas, porcos, cabras). Os
egípcios desenvolveram também a caça e a pesca: a primeira realizada
nos pântanos e no deserto e a segunda praticada no Nilo, nos
reservatórios e canais de irrigação.
Artesanato e cultura
O
artesanato era muito importante. Utilizaram o linho e o couro de
animais, confeccionaram cerâmicas e durante largo tempo não houve
separação entre agricultores e artesãos: como o ciclo agrícola era de
seis meses (plantio e colheita), o restante do tempo era aproveitado nas
atividades artesanais, na construção e conservação dos canais de
irrigação e dos reservatórios e na construção das obras públicas.
O
papiro era abundante às margens do Nilo. As fibras da planta foram
usadas para fazer embarcações, redes e cordas, mas acabaram tendo enorme
importância quando utilizadas como matéria-prima para fazer papel. De
acordo com o historiador J. Yoyotte, o "cultivo intensivo do papiro
provavelmente contribuiu para o desaparecimento dos pântanos - refúgio
dos pássaros, crocodilos e hipopótamos que, na opinião dos próprios
antigos, davam brilho à paisagem egípcia".
Realizada pelos
escribas, a transcrição nos papiros de fatos da história, do dia a dia
do governo e das questões religiosas acabou se transformando em
importante fonte histórica para a reconstrução da civilização egípcia,
depois que os arqueólogos modernos conseguiram decifrar os hieróglifos.
Divisão social do Egito Antigo
Nos
3 mil anos do Egito dos faraós, a estrutura social pouco se alterou. Na
base estavam os escravos, quase todos de origem estrangeira e em número
reduzido, mas principalmente os camponeses livres, a maioria da
população, que viviam nas aldeias e tinham de pagar diversos tributos ao
Estado e aos templos.
Havia uma camada intermediária
representada pelos artesãos urbanos. A classe dominante era formada pelo
faraó - adorado como um deus e exercendo também o poder militar, civil e
judiciário - e sua família, pelos sacerdotes, militares e altos
funcionários do Estado, dentre eles os escribas e os nomarcas.
De
acordo com o filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade, para
os egípcios a ordem social representava um aspecto da ordem cósmica.
Assim, a realeza existiria desde o começo do mundo, pois o "Criador foi o
primeiro Rei; ele transmitiu esta função ao filho e sucessor, o
primeiro Faraó. Essa delegação consagrou a realeza como instituição
divina".
Três impérios
A história política do Egito se
divide em três grandes blocos chamados de Impérios, separados por
períodos de crise, chamados de Períodos Intermediários.
O
primeiro é o Antigo Império, caracterizado pela edificação das grandes
pirâmides (as de Guisé), pelo crescimento da produtividade agrícola,
pelo desenvolvimento das grandes construções (templos e palácios) e da
ciência (matemática, medicina). Apesar da prosperidade, não houve
ampliação do território, excetuando-se uma expedição ao sul, que
conquistou parte da Núbia, reino que também vivia às margens Nilo.
São
desconhecidas as razões que levaram ao fim do poder central por quase
50 anos, mas sabemos que ocorreram períodos de fome, provavelmente
vinculados à diminuição das cheias do Nilo. Devem também ter ocorrido
revoltas de camponeses contra o pagamento de tributos ao Estado.
Em
torno de 2100 a.C., foi restabelecido o poder central: é o período do
Médio Império. Ampliou-se a autoridade do Estado, aumentou a produção
agrícola e foram construídas diversas obras de irrigação.
Por volta
de 1640 a.C., o Egito foi conquistado pelos hicsos - povo de origem
asiática -, que permaneceram 90 anos dominando a região. Era um povo
guerreiro, hábil no uso de cavalos e do carro de guerra. Os hicsos
trouxeram diversas inovações, principalmente no que se refere ao uso do
bronze, que era desconhecido dos egípcios.
O período mais
importante e mais conhecido do Egito Antigo é o Novo Império (1550-1076
a.C.). Foi o momento da expansão para a Ásia e da conquista da
Palestina, Síria e Fenícia, chegando até o rio Eufrates, na Mesopotâmia.
Controlando
o corredor sírio-palestino, criou-se um obstáculo às invasões dos povos
asiáticos, que usava essa passagem para invadir o Egito pelo istmo de
Suez. Isso facilitou o controle das rotas comerciais que passavam pela
região e ampliou a cobrança de tributos.
A criação de um império
na Ásia levou à formação de um exército permanente, em grande parte
formado por mercenários líbios e núbios, e à utilização de novas armas,
como a espada e os carros de guerra.
Esplendor e declínio do Império Egípcio
Durante
o Novo Império intensificou-se o comércio externo com as ilhas de Creta
e Chipre, no mar Mediterrâneo, e com a Fenícia; ampliou-se a máquina
burocrática do Estado; e foram edificadas novas pirâmides e palácios, em
grande parte com os recursos espoliados dos povos dominados. Somente
Thutmés 3º (1469-1436), em uma de suas 17 expedições militares, trouxe
como butins de guerra centenas de prisioneiros, 924 carros, 2.238
cavalos, 44 mil cabeças de gado e 200 quilos de ouro.
Os faraós
tiveram enormes dificuldades em manter as conquistas na Ásia e o domínio
da Núbia. Ocorreram rebeliões dentro do império, pressões nas
fronteiras de povos atraídos pela riqueza do Egito e problemas internos
devido ao crescimento da população (o aumento do número de habitantes
por quilômetro quadrado gerou períodos de fome).
No século 7
a.C., Assurbanipal, rei dos assírios (povo da Mesopotâmia), ocupou o
Egito, mas logo foi expulso. A invasão, porém, foi uma demonstração da
fraqueza interna do império, apesar das reformas realizadas no
Renascimento Saita (séculos 7 a 6 a.C.).
Ainda na Antiguidade, no
século 6 a.C., o Egito perdeu a independência. Em 525 a.C., Cambises,
imperador da Pérsia, invadiu e ocupou o Egito, que se manteve como
satrapia persa por 200 anos. Os persas introduziram o camelo, que se
adaptou bem à região e possibilitou o contato mais frequente com os
oásis a oeste do rio Nilo.
Em 332 a.C.,
Alexandre Magno,
da Macedônia, que já tinha conquistado a Grécia, a Ásia Menor, a
Palestina e a Fenícia, também ocupou o Egito. Vinte e oito anos depois,
seus herdeiros deram origem à dinastia dos Ptolomeus ou Período
Ptolomaico, que se estendeu até 30 a.C., quando os romanos invadiram e
ocuparam o Egito.
O papel da religião
A vida dos egípcios
estava marcada pela religião e seus deuses. Segundo a mitologia
egípcia, o deus Osíris ensinou a agricultura aos seres humanos, mas
acabou traído e morto pelo irmão e rival Seth. Ísis, sua mulher,
convenceu os outros deuses a trazer de volta Osíris para a Terra: era
ele que julgava os egípcios depois que estes morriam; ouvia a defesa de
cada um e, depois de pesar o coração do indivíduo - para saber se estava
mentindo ou não -, decidia pela sua inocência ou culpa.
A crença
em uma vida após a morte acompanhava o egípcio durante toda a sua
existência. Dessa forma, a construção de grandes túmulos, onde estavam
acumulados tesouros e objetos de uso pessoal do morto, servia para que,
depois da vida, ele mantivesse a mesma condição material.
Segundo
o egiptólogo A. Abu Bakr, "a crença no além foi sem dúvida favorecida e
influenciada pelas condições geográficas do Egito, onde a aridez do
solo e o clima quente asseguravam uma notável conservação dos corpos
após a morte, o que deve ter estimulado fortemente a convicção de que a
vida continuava no além-túmulo".
O politeísmo da religião egípcia
foi brevemente interrompido pela instituição do monoteísmo pelo faraó
Amenófis 4º (1380-1362 a.C.), que mudou seu nome para Akenaton e
divulgou o culto ao deus Aton. Além de razões religiosas, o faraó também
pretendia diminuir os poderes do clero, enriquecido pelo pagamento de
tributos, e que exercia enorme influência política.
Akenaton
fundou uma nova capital, perseguiu os sacerdotes inimigos de sua
reforma, mas não conseguiu obter apoio popular. Após a sua morte foi
restabelecido o politeísmo e a capital retornou para Tebas.
Cronologia do Egito Antigo
Período Pré-dinástico: 3300 - 3000 (dois reinos)
Período Protodinástico: 3000 - 2670 (1ª e 2ª dinastias)
Antigo Império: 2670 - 2150 (da 3ª até a 6ª dinastia)
I Período Intermediário: 2150 -2100 (desintegração da unidade política)
Médio Império: 2100 - 1750 (11ª e 12ª dinastias)
II
Período Intermediário: 1750 - 1550, sendo que de 1640 até 1550 os
hicsos controlaram o Egito (15ª e 16ª dinastias) - reação de Tebas (17ª
dinastia)
Novo Império: 1550 - 1076 (da 18ª até a 20ª dinastia)
III Período Intermediário: 1076 - 712 (da 21ª até a 24ª dinastia) - período do controle núbio sobre o Egito.
Época Tardia: 712 - 332 (da 25ª até 30ª dinastia)
Período Ptolomaico: de 332 a.C. até 30 d.C.